quinta-feira, 9 de junho de 2011

OS MECANISMOS DE DEFESA NA ABORDAGEM PSICANALÍTICA

SILVA, A. V.; SILVA, G. L. da; ALMEIDA, M. A. L.; OLIVEIRA, O. J. de; MACÁRIO, T.


1 INTRODUÇÃO

“Medidas de proteção adotadas pelo Ego (Princípio da Realidade) contra os impulsos provenientes do Id (Princípio do Prazer)”.
(Anna Freud)

Na estrutura psíquica, o ego surge em resposta às frustrações e exigências que o mundo externo impõe ao organismo. À medida que se desenvolve, aprende a obedecer o princípio da realidade, enquanto que o id persiste seguindo o princípio do prazer.
Obviamente, então, haverá conflito entre o ego e o id. O superego incorporou-se ao ego como um controle automático devido às exigências impostas pelo meio. Entretanto, o próprio meio pode ser fonte de tentações para os impulsos do id e haverá então um conflito entre o ego e o superego.
Em vista disto, desenvolvem-se os mecanismos de defesa destinados a proteger a pessoa contra impulsos ou afetos que possam ocasionar aqueles conflitos, os quais são fontes de angustia. A angústia é a reação do ego diante da percepção inconsciente de qualquer ameaça a sua integridade e se traduz por sintomas e sinais equivalentes a uma reação intensa de medo, porém sem objeto aparente. As ameaças podem provir da própria natureza e intensidade do impulso, do sentimento de culpa frente ao superego se houver satisfação do impulso, do sentimento de inferioridade se o impulso não for satisfeito e do receio da crítica social se o indivíduo não rejeitar as próprias tendências.
Os mecanismos de defesa têm funções protetoras e alguns deles são empregados por todos, na vida cotidiana, para conseguir a estabilidade emocional. Podem ser usados para auxiliar na integração da personalidade, apoiando-a na adaptação ao meio e nas relações interpessoais. Entretanto, seu uso pode ser feito de forma inadequada ou mesmo destrutiva, tornando-os em si mesmos, ameaças para o bom funcionamento do ego, levando ao aparecimento de distúrbios psicológicos.



2 OBJETIVO

Identificar os diferentes tipos de mecanismos de defesa dentro da abordagem psicanalítica.

3. QUADRO SINÓTICO 

3.1 Defesas Primitivas

3.1.1 Repressão

Em princípio, a repressão é definida como método de defesa usado pela mente humana para evitar que a consciência tenha acesso às representações desconfortáveis, ligadas ou não à pulsão frente às exigências do próprio ego. O ego se organiza em face de o perigo de perder o controle e fazer uma loucura. Também pelos medos: o medo menor de ser julgado, condenado e punido e o medo maior, de ser aniquilado. Assim, esse mecanismo de defesa controla a pulsão, organiza o ego e assegura o amor do objeto (ALMEIDA, 1996).
De acordo com Glassman e Hadad (2008, p. 251):

A repressão é definida como o bloqueio das pulsões do id no nível do inconsciente, é o mais primitivo de todos os mecanismos de defesa [...] a dificuldade básica é que ela não consegue resolver as exigências que conduzem a seu uso, porque não ocorre nenhuma gratificação. Pior ainda, pode requerer quantidades significativas de energia mental para manter o bloqueio contra as crescentes pressões por gratificação [...] a repressão pode também produzir distorções da realidade, como quando são bloqueadas as lembranças que poderiam desencadear o escoamento de conflitos básicos para a consciência consciente.

3.1.2 Projeção

A projeção faz parte da dinâmica relacional, pois para ela existir tem que existir o outro, a quem um primeiro sujeito atribui qualidades semelhantes às de seu mundo interior. O sujeito projeta o que nega em si próprio, em função do desconforto psíquico e da ansiedade gerada, no plano inconsciente, atribuindo ao outro, qualidades, sentimentos ou desejos que seriam originalmente seus (ALMEIDA, 1996).
De acordo com Freud (2006), o efeito do mecanismo de projeção busca romper a ligação entre os representantes ideativos das moções pulsionais perigosas e o ego, impedindo que seja percebido deslocando para o mundo externo.

Manifesta-se a projeção quando o Ego não aceita reconhecer um impulso inaceitável do Id e o atribui à outra pessoa. É o caso do menino que gostaria de roubar frutas do vizinho sem, entretanto, ter coragem para tanto, e diz que soube que um menino, na mesma rua, esteve tentando pular o muro do vizinho (FENICHEL, 2000).

3.1.3 Dissociação

Dentro da hierarquia dos mecanismos de defesa, enquadra-se como a dissociação como uma das defesas primitivas. Gabbard (2005) assim o descreve:

Interromper o senso pessoal de continuidade nas áreas de identidade, memória, consciência ou percepção como modo de preservar uma ilusão de controle psicológico diante do desamparo e perda de controle. Ainda que semelhante à cisão, a dissociação pode em casos extremos envolver alteração de memória de eventos devido à desvinculação do self no evento.

3.1.4 Negação

O mecanismo de defesa denominado “negação” tem como origem a repressão; ou seja, as imagens têm acesso à consciência de modo parcial, contudo, são negadas, sendo temporariamente removidas ou reprimidas. A negação da realidade, adiamento de compromissos, recusa a enfrentamentos desagradáveis, doenças imaginárias, criam falsas situações para evitar a realidade neste mecanismo de defesa (ALMEIDA, 1996).

3.1.5 Regressão

É o processo psíquico em que o Ego recua, fugindo de situações conflitivas atuais, para um estágio anterior. É o caso de alguém que depois de repetidas frustrações na área sexual, regrida, para obter satisfações, à fase oral, passando a comer em excesso.

Considerada em sentido tópico, a regressão se dá, de acordo com Freud, ao longo de uma sucessão de sistemas psíquicos que a excitação percorre normalmente segundo determinada direção.

No seu sentido temporal, a regressão supõe uma sucessão genética e designa o retorno do sujeito a etapas ultrapassadas do seu desenvolvimento (fases libidinais, relações de objeto, identificações, etc.).
No sentido formal, a regressão designa a passagem a modos de expressão e de comportamento de nível inferior do ponto de vista da complexidade, da estruturação e da diferenciação.
A regressão é uma noção de uso muito freqüente em Psicanálise e na Psicologia contemporânea; é concebida, a maioria das vezes, como um retorno a formas anteriores do desenvolvimento do pensamento, das relações de objeto e da estruturação do comportamento.

Freud é levado então a diferenciar o conceito de regressão, como o demonstra esta passagem acrescentada em 1914 em três espécies de regressões:

a)Tópica, no sentido do esquema do aparelho psíquico.A regressão tópica é particularmente manifestada no sonho, onde ela prossegue até o fim.Encontra-se em outros processos patológicos em que é menos global (alucinação) ou mesmo em processos normais em que vai menos longe (memória).

b)Temporal, em que são retomadas formações psíquicas mais antigas.

c)Formal, quando os modos de expressão e de figuração habituais são substituídos por modos primitivos. Estas três formas de regressão, na sua base, são apenas uma, e na maioria dos casos coincidem, porque o que é mais antigo no tempo é igualmente primitivo na forma e, na tópica psíquica, situa-se mais peto da extremidade perceptiva.







3.2 DEFESAS DE NÍVEL SUPERIOR (Neuróticas)

3.2.1 Identificação

A identificação envolve a incorporação de características de um objeto da pulsão no ego da própria pessoa (GLASSMAN, HADAD, 2008).
Conforme Almeida (2006), a identificação pode ser estudada em dois vieses: O da estimulação do psiquismo humano, e o da atividade defensiva do ego. O primeiro permite a humanização do sujeito, seu crescimento afetivo, intelectual, social e espiritual. O indivíduo toma outra pessoa como modelo e assimila dela um aspecto, permitindo-se uma transformação total ou parcial. No segundo, o indivíduo agredido identifica-se com o agressor a ponto de assumir, não só a sua ideologia ou atitude agressiva, mas também o seu compromisso social, conceitos morais, simbolismo e postura física.

3.2.2 Deslocamento

De acordo com Fenichel (2000), deslocamento é um processo psíquico pelo qual o todo é representado por uma parte ou vice-versa. Também pode ser uma idéia representada por outra, que, emocionalmente, esteja associada a ela. Esse mecanismo não tem qualquer compromisso com a lógica. É o caso de alguém que, tendo tido uma experiência desagradável com um policial, reaja desdenhosamente, em relação a todos os policiais.
É muito corrente nos sonhos, onde uma coisa representa outra. Também se manifesta na Transferência, fazendo com que o indivíduo apresente sentimentos em relação a uma pessoa que, na verdade, lhe representa outra pessoa do seu passado (FENICHEL, 2000).
Através dele, descarregamos sentimentos acumulados, em geral, sentimentos agressivos, em pessoas ou objetos menos perigosos. P. ex. suportamos o mau humor do chefe e em casa brigamos com os filhos ou chutamos o cachorros.


3.2.3 Formação Reativa

Consoante Gabbard (2005), a formação reativa enquadra-se dentre os mecanismos de defesa de nível superior ou defesas neuróticas, com a seguinte descrição: “Transformar um desejo ou impulso em seu oposto.”
Caracteriza-se por uma atitude ou um hábito psicológico com sentido oposto ao desejo recalcado. P.ex. desejos sexuais intensos podem ser transformados em comportamentos extremamente pudorosos. Estes desejos são sentidos como perigosos; ou seja, que o indivíduo perderia seu controle caso cedesse a eles. Firmar-se em uma atitude moralista, ou seja, atuar contrariamente ao que se deseja é um meio de auto-preservação.

3.2.4 Racionalização

De acordo com Almeida (1996), é o mecanismo de defesa que compreende uma necessidade psíquica que motiva o organismo em direção à meta ser alcançada, pode ocorrer um desejo oriundo do anseio de querer da cobiça consciente, ou de desejos mais primitivos, inconscientes relacionados à pulsão sexual.
Quando ocorre um conflito que causa ameaça à psiqué, surge este mecanismo de defesa com a finalidade de recobrar o equilíbrio; de maneira inconsciente, o mecanismo seleciona as escolhas, intelectualizando cada uma delas (ALMEIDA, 1996).
É importante não confundir racionalização com pensamento racional, pelo fato de que o pensamento racional leva a razões boas e justas, enquanto a racionalização quer alcançar boas razões para explicar os comportamentos, (ALMEIDA, 1996).

3.3 Mecanismos maduros
3.3.1 Renúncia Altruística

Arrolada por Gabbard (2005), como um dos mecanismos maduros, renúncia altruística ou simplesmente altruísmo, consiste em “Comprometer-se com as necessidades dos outros mais do que com as próprias. O comportamento altruísta pode ser utilizado a serviço de problemas narcisistas, mas pode também ser fonte de grandes realizações e contribuições à sociedade.”

3.3.2. Sublimação

De acordo com Fenichel (2000), Sublimação é o mais eficaz dos mecanismos de defesa, na medida em que canaliza os impulsos libidinais para uma postura socialmente útil e aceitável.
Ainda, conforme o autor, as defesas bem sucedidas podem colocar-se sob o título de sublimação, expressão que não designa mecanismo específico; vários mecanismos podem usar-se nas defesas bem sucedidas; por exemplo, a transformação da passividade em atividade; o rodeio em volta do assunto, a inversão de certo objetivo no objetivo oposto. O fator comum está em que, sob a influência do ego, a finalidade ou o objeto (ou um e outro) se transforma, sem bloquear a descarga adequada.
Na sublimação, cessa o impulso original pelo fato de que a respectiva energia é retirada em benefício da catexia do seu substituto. Nas outras defesas, a libido do impulso original é contida por uma contracatexia elevada (FENICHEL, 2000).

3.4 Não classificados

3.4.1 Simbolização

O mecanismo de defesa da simbolização é a capacidade do Ego de usar símbolos que traduzam suas forças afetivas inconscientes, podendo ser símbolos universais, como por exemplo, folclore, lendas, mitos entre outros. Trata-se da manifestação do inconsciente o que podendo estar relacionado à própria história (ALMEIDA, 1996).

3.4.2 Anulação

É um mecanismo de defesa que serve para fortalecer a repressão, um processo ativo consiste em desfazer o que se fez. O sujeito faz uma coisa que, real ou magicamente, é o contrario daquilo que, na realidade ou na imaginação se fez antes. Há vezes em que a anulação não consiste em compulsão em fazer o contrário do que se fez antes, mas em compulsão em repetir o mesmíssimo ato (ALMEIDA, 1996).
Ainda de acordo com o autor, a anulação constitui um mecanismo narcisicamente muito regressivo. Ela deve operar quando os processos mentais mais clássicos, à base de desinvestimento e de contra-investimento não sejam mais suficientes. A anulação irá incidir sobre a própria realidade, pois é a temporalidade, elemento importante do real, que se acha negada, alterada.
Em outras palavras, anulação é um processo ativo que consiste em desfazer o que se fez. As representações incômodas evocadas em atos, pensamentos sejam considerados como não tendo existido. É o mecanismo dos rituais obsessivos, nos quais uma atitude é anulada por outra, destinada a suprimir as conseqüências da primeira, etc. 

3.4.3 Conversão

Como mecanismo de defesa serve para fortalecer a repressão, consiste em uma transposição de um conflito psíquico e uma tentativa de resolução desse conflito por meio de expressões somáticas como dores de cabeça, náuseas, vontade de urinar ou defecar, e entre outros sintomas. Passa-se o problema da mente para o corpo, se tratando de uma anatomia emocional através de manifestações somáticas (ALMEIDA, 1996).

3.4.4 Fixação

Fixação é uma atividade defensiva regressiva, mecanismo de defesa que consiste numa paragem ou cessação do desenvolvimento psicossexual em determinado ponto do processo de maturação. Pode tratar-se de um bloqueio temporário e normal da maturação ou ser permanente e patológico, dando origem a neuroses ou desvios de personalidade. Este mecanismo foi inicialmente estudado por Freud, na sua teoria do desenvolvimento da personalidade, de forma que a fixação pode ocorrer na fase oral, anal ou fálica do desenvolvimento. A fixação numa destas fases é então responsável pelos desvios sexuais em que o órgão da fase em questão é o foco do interesse e da atividade sexual anormal (ALMEIDA, 1996).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho demonstrou alguns dos mecanismos de defesas utilizados pelo ego, de acordo com a teoria psicanalítica. Para fins didáticos, procurou-se sistematizá-los em defesas primárias, de nível superior ou neurótica, mecanismos maduros, e outros que não foram possíveis serem classificados.
Segundo Gabbard (2005), o modelo psicodinâmico contemporâneo apresenta os mecanismos de defesa como meios utilizados pelo ego para preservar a noção de auto-estima em face à vergonha e vulnerabilidade narcisista, garantindo a sensação de segurança quando nos sentimos perigosamente ameaçados pelo abandono ou outros perigos, e isolando-nos de perigos externos.
As defesas primárias se referem à repressão ou recalque, impossibilitando as pulsões do Id. A projeção o indivíduo atribui ao outro, seus conflitos; a dissociação, pela qual o indivíduo se desvincula do self verdadeiro; a negação, em que os conteúdos têm acesso parcialmente à consciência do indivíduo criando falsas situações evitando a realidade; e a regressão atribuindo ao ego situações e fatos relacionados a períodos anteriores.
As defesas de nível superior são as de estruturas neuróticas, tais como a identificação, quando se incorpora características de outros indivíduos atribuindo como suas, gerando uma transformação total ou parcial; o deslocamento, onde ocorre o transporte para o outro, de modo generalizado, experiências negativas geradas pelo conflito; a formação reativa é transformar um impulso e um desejo em seu oposto, e a racionalização que seria a intelectualização do conflito ou do fator desencadeante.
Mecanismos maduros, renúncia altruístas compromete com as necessidades dos outros, sublimação é a canalização dos impulsos.
Não classificados, simbolização é a capacidade do ego em utilizar símbolos, a anulação fortalece a repressão de modo a desfazer o que se fez, e por fim a conversão é transposição de um conflito com intuito de proporcionar a solução.
O ego utiliza estes mecanismos com a finalidade de minimizar inconscientemente os conflitos gerados pelos desejos e pulsões do indivíduo.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ALMEIDA, W. C. Defesas do Ego: leitura didática de seus mecanismos. São Paulo: Ágora, 1996.

FREUD, Anna. O ego e os mecanismos de defesa. Porto Alegre Artmed, 2006.

FENICHEL, O. Teoria Psicanalítica das Neuroses. Atheneu. 2000.

GABBARD, Glen O. Psicoterapia Psicodinâmica de Longo Prazo: texto básico. Porto Alegre: Artmed, 2005.

GLASSMAN, W. E. HADAD, M. Psicologia - Abordagens atuais. 4 ed. Porto Alegre: Artmed, 2008.
RAPPAPORT, C.R. Psicologia do desenvolvimento. São Paulo: EPU, 1981
THOMAZ, R. Mecanismo de defesa. Disponível em: http://www.medicinageriatrica.com.br/tag/sublimacao. Acesso em: 29 mai. 2011.

----------------

9 comentários:

  1. PARABÉNS PELO TRABALHO E PELA DISPONIBILIDADE DESTE NO TEU SITE

    PAULO REBELO- MACAPÁ

    ResponderExcluir
  2. Obrigada, seu trabalho foi o mais completo que encontrei na primeira pagina do grupo! Está TOP. bjs
    Aline - CWB

    ResponderExcluir
  3. Respostas
    1. Fique a vontade. Está postado aqui justamente pra isso mesmo Jordane.

      Excluir
  4. Boa tarde

    Há algum tempo citei o texto no meu artigo. Agora ele está sendo analisado para publicação, porém eles exigem o nome completo da autora "SILVA, A. V".

    Então, por gentileza, eu necessito do nome completo principalmente desta primeira autora

    Desde já agradeço e fico no aguardo.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Bom dia, já respondi por e-mail no dia do contato, contudo respondo por aqui também para o caso de mais alguém necessitar.
      O nome desta autora é Air Vieira da Silva.

      Um abraço.

      Excluir